sábado, 4 de janeiro de 2014

Energia escura (Preludio)

A neve caía lentamente sobre a máquina de guerra estacionada em frente a um pequeno bunker camuflado no campo branco. Havia algum tempo que ela estava parada ali, a neve já se acumulava em seu topo e suas duas pernas estavam afundadas até a metade no grande deserto branco que se estendia até os olhos se perderem no horizonte. A máquina era conhecida como Big Bad boy entre os soldados da Aliança, uma armadura robótica de seis metros de altura, com braços curtos e um cock-pit que ficava no centro do corpo, coberto por um escudo cinético, sua luz azulada pintava a neve em seus pés de um azul celeste, enquanto seu piloto montava guarda pacientemente naquele planeta desértico.
Seu último pensamento foi; “O que eu vim fazer aqui...”.
Um buraco ficou no lugar do escudo, da cabeça e das costas da armadura, um buraco de oitenta centímetros de raio. Dali uma fumaça espessa desceu como gelo seco, rodopiando a cada onda mais grossa e a cada pequena lufada de vento. O silêncio continuava o mesmo.
A dois quilômetros dali, um homem se levantou de uma duna de neve. Sua capa tática, uma tecnologia que lhe garantia invisibilidade, foi desligada, revelando sua armadura exo-esquelética branca, usava um capacete que lhe escondia o rosto, seu visor emitia uma fraca luz amarela. Pegou o rifle sniper que utilizava e, automaticamente, ele diminuiu e se dobrou em vários lugares, até ficar com quase metade do tamanho. O homem o guardou em suas costas e pois as duas mãos na cintura, olhando o bunker que mal podia ser visto dali.
__Dois quilômetros... E eu nem mesmo me esforcei. –disse enquanto se preparava para o próximo passo- Viúva negra... –sorriu sob o capacete- Fazedor de viúvas, isso sim.
Novamente as cores em volta do corpo sumiram e sua capa tática foi ativada, deixando apenas o deserto branco a vista.
...
A porta do bunker estava trancada, o que já era de se esperar. Arrombar aquilo não seria tão simples quanto abrir o buraco naquela armadura. Usando sua ferramenta omni, aplicou um quantidade absurda de omni gel no equipamento de tranca, até que ouviu um zumbido e a porta se abriu, sugando o ar e quase levando o homem junto para dentro do bunker. Entrou tirando a neve dos braços e fechou a porta da câmara usando um console digital. A porta fechou silenciosamente, o ar puro encheu a câmara e ele sentiu a gravidade se estabelecendo, beirando a normalidade do seu planeta natal.
__Que absurdo. –disse, tirando o capacete- A quarenta anos atrás mal sabíamos o que era um campo de efeito de massa. –ouviu um suspiro no comunicador em seu ouvido- O quê? Acha que eu já me acostumei com isso azulzinha? –o sorriso cobriu seu rosto cansado- Eu acabei de fazer um buraco de quase um metro usando um rifle, a dois quilômetros de distância... Tudo bem, tudo bem... De volta a missão, não é isso que diria se estivesse de bom humor?
O homem era o ex sargento Nicholas Korolenko, hoje com seus 65 anos, já apresentava um rosto calejado pelo tempo no exército, seus cabelos brancos estavam curtos e amassados, a barba rala era tão branca quanto o cabelo. Alguns poderiam dizer que ele estava muito velho para isso, mas que se danem, era a única coisa que Korolenko sabia fazer.
Abriu a outra porta no painel e o que viu o fez sorrir ainda mais, era um armazém gigante de quase um quilometro quadrado, todo o teto parecia ser apenas uma lâmpada, o lugar era muito bem iluminado. Servia como depósito de grandes caixas de chumbo de dez metros de diâmetro, lacradas de forma que só poderiam ser abertas a lazer. Korolenko passou a mão em uma delas e deu de ombros, vestindo novamente o capacete.
__Azulzinha, está vendo? Essas caixas estão lotadas de eezo, certeza.
__Sim, eu sei. –respondeu a voz no comunicador- Ou você acha que eu teria movido uma montanha de créditos apenas para que você passeasse em um planeta esquecido perto do abismo?
__Encantadora como sempre. –sacou a pistola que, da mesma forma que o rifle, se montou em sua mão e se carregou- Não vejo ninguém, o scanner não mostra nenhuma presença física, nem mesmo a visão de calor. Alguma sugestão? Quer que eu peça para os carregadores começarem a...
__Não! Korolenko... –o homem ouviu uma respiração funda, seguida de um ruído característico-
__Tira essa caneta da boca. –andava entre as caixas com cautela, analisando o lugar- Você não pensa direito com ela na boca azulzinha.
Nicholas subiu em uma das caixas e olhou um panorama, quantas caixas haviam ali? E quanto elemento zero eles haviam minerado? Aquilo não estava certo, era muita coisa, em muito pouco tempo. Aprendeu, no exército, que fazer perguntas era uma coisa arriscada. Mas agora, como todo o avanço planetário, estando em pé sobre bilhões, trilhões ou sabe se lá quantos “lhões” de elemento zero em créditos, em um planeta no canto mais afastado da galáxia conhecido como “abismo de Nemean”, onde a pouco fez uma proeza que nunca pensou ser possível com um rifle, fazer perguntas era inevitável.
Nicholas tirou o capacete e sentou sobre uma caixa, acendendo um cigarro e pensando nessas perguntas. Ainda podia ouvir o ruído no comunicador, a coitada da caneta deveria estar quase em pedaços a essa hora.
__Azulzinha? Abre o jogo para mim, vai... Você disse que tem quantos anos mesmo? duzentos, trezentos? –baforou lentamente, sentindo o gosto amargo na boca- Você disse uma vez não sei o que de que queria ser Justicar não é? Algo haver com justiça e ordem e sei lá o que mais... Não estou aqui pelo dinheiro, eu sei que não. Você quer fazer algo bom não é? Se redimir de alguma merda do seu passado...
Ouviu a caneta quebrando no comunicador e sorriu, se levantando.
__Pode dizer, é esse planeta, mas não é aqui. –saltou da caixa e sacou novamente a pistola- Que Deus... ou deuses, tenham piedade do que farão com tanto eezo. Já vi o que vocês podem fazer com eles, manipulando isso... Céus, eu já vi um soldado ser arremessado a quase um quilometro de distância por uma de vocês.
__Korolenko. –a voz o interrompeu- Há uma passagem na ala esquerda do bunker, um túnel que leva a uma caverna. –ouviu a voz tomar folego e continuar- Ele vai dar em um lago subterrâneo...
__Desembucha azulzinha, o que foi?
Dados passaram no display do seu visor, a luz amarela da lente ficou mais clara a medida que os dados eram processados e apareciam em caixas na frente de seus olhos.
__Ah... isso. Então é de lá que estão tirando todo esse eezo. A radiação vai...
__Korolenko...
__Deixa disso. Eu sei bem o que eu devo fazer. –bateu no cinto que carregava, o bolso pressurizado abriu e levantou a carga que carregava. Tirou do bolso uma caixa do tamanho de uma caixa de cigarros e a grudou sobre a entrada da caverna- Eu já sabia que não era pelos créditos. Ei azulzinha... Você vai ficar me devendo uma boa noitada. Como é que vocês falam mesmo? Fusão? Abraçar a eternidade ou coisa assim?
__Isso mesmo. –disse a voz trêmula no comunicador-
__Que coisa mais bizarra. –riu, desligando o comunicador-
...
O corredor foi esculpido a lazer, o mesmo equipamento que selou aquelas caixas. Provavelmente um robô minerador. Andava com a arma em mãos, sentia vibrações por todo o corpo, sabia o que era aquilo. Elemento zero em forma de poeira, estava respirando aquela merda. Boa parte dela passava pelo filtro do capacete, mal adiantava alguma coisa. Câncer vai ser a menor de suas preocupações nos próximos dias.
Cada vez mais o corredor ficava íngreme, até ouvir barulho de agua corrente. Sorriu ao ver que finalmente o corredor se alargava, até demais...
Era uma caverna gigantesca, não fazia ideia de seu tamanho. A primeira coisa que viu foi esferas negras flutuando sobre a superfície da agua, elas pareciam sugar a agua para dentro de si, como pequenos buracos negros. Um suave brilho purpura era emanado daquelas esferas, que tinham quase três metros de altura. A segunda coisa que lhe chamou atenção foi um robô de escavação, autômato, que no momento estava desativado, sentado sobre suas próprias pernas. Era uma máquina robusta e possante, tinha certeza que aquilo poderia ser usado facilmente para matar alguém.
A terceira foi um homem, de costas, operando um terminal holográfico, jaleco branco cobrindo todo o corpo, a cabeça careca e redonda. Era o doutor Forman McNiver, o cientista perdido que poderia estar no planeta. Caminhou lentamente com a arma apontada para o homem, sua barreira cinética brilhava em um azul forte, como se algo tentasse sobrepujar seu campo de força pessoal. Korolenko não gostava nada daquilo, nada ali parecia certo...
__McNiver! Doutor McNiver! Levante as mãos e se vire lentamente.

O doutor se virou e o que Korolenko viu apenas confirmou seu pressentimento. O homem estava com os olhos roxos, uma luz purpura emanava forte deles, iluminavam a caverna e ele mesmo. Sua cabeça parecia desproporcional, grande, inchada, tinha um sorriso débil na face, as veias de seu corpo pareciam brilhantes sobre a pele. Algo realmente não estava certo.
__A que devo a visita, Korolenko. –a voz parecia afetada, como se falasse em frente a um ventilador-
__Ei, ei... Eu já vi coisas brilhando assim antes. Diminua essas luzes em seus olhos ou vou ter que diminui-las eu mesmo.
__Eu não posso. –o sorriso continuava lá- Eu sou assim agora, você está olhando para o novo homem, o próximo passo, a evolução do homo sapien... Eu sou agora, um homo deus.
__Jesus...
__Você precisa entender, precisa entender o porquê disso existir, o porquê desta energia existir no universo! Não vê? É uma energia que você pode tocar! Que você pode, literalmente, por dentro de um pote! E ela pode... Não, ela VAI... Ela JÁ mudou toda a forma de existência! De todas as galáxias! E agora... agora... veja isso...
McNiver começou a brilhar e a vibrar, de repente não passava de um borrão roxo com forma humana. O jaleco virou migalhas de pano ao redor daquela figura e Korolenko ponderava seu próximo passo naquele momento. A voz, antes estranha, agora parecia um grito espectral, ecoava por toda a caverna, indescritível, incompreensível.
Korolenko ativou o comunicador e ouviu a voz feminina do outro lado dizendo para fugir, correr, se salvar...
__Agora entendi azulzinha. –sorriu- Abraçar a eternidade e essa porra toda.
__Koro... Nicholas!
O ex sargento disparou sua arma, “canhão de mão” como era chamada. Viu o borrão ser atirado com violência para o lago e, segundos após, emergir e flutuar sobre a superfície.
__Adeus azulzinha. –disse com a arma apontada para o doutor, sacando o detonador- Ninguém deveria ter esse tipo de poder.
__Nicholas!
A última imagem que a asari viu no monitor foi o rosto do doutor McNiver, o ultimo som foi do início de uma explosão. A imagem daquele rosto inumano e de sorriso débil ficou travado no monitor, a imagem vibrava e tremia, mas podia ser vista com clareza. Não era mais humano, não era mais nada do que ela já havia visto em todos os seus anos de vida.
__Eram quase quatrocentos, Nicholas... –disse em meio a lágrimas- Trezentos e noventa anos.
Desligou o monitor e cobriu seu rosto azul com o capuz, deixando que a escuridão a abraçasse.


domingo, 28 de julho de 2013

E a natureza disse...

O vento soprava o mato alto com suavidade e Luzia, sorrindo e de olhos fechados, cantarolava e rodopiava pelo campo, girando seu vestido leve e amarelado e seus cabelos negros encaracolados. Seu cântico era um agrado aos elementais do vento, silfos, que perambulavam sobre o mato e agraciavam a jovem Luzia com sua presença e suas caricias. As pequenas criaturas róseas e translucidas tocavam seu vestido e seus cabelos, sussurrando para aquela mulher histórias de outras eras e de outros povos.
Cansada e ofegante, Luzia deitou-se na grama e os silfos sentaram ao redor de sua cabeça, contando as histórias suavemente e sem pressa. Ela sorria ao saber sobres os persas e seus tapetes mágicos, sobre os índios americanos e suas magias poderosas, sobre a Inglaterra e seu povo elegante, sobre Paris e suas fantasias… Contava também sobre a China, sobre como foi feito uma muralha gigantesca que protegeu um grande imperador. Luzia apenas ouvia, com os olhos encarando as nuvens moldadas por esses mesmos seres, que ilustravam com prazer cada história que lhe era contada.
Ao se sentar, viu uma figura branca e pequena, como uma criança, porem magra e cheia de rugas como um velho, de orelhas longas e pontudas, careca e com uma barba branca que ia até o chão. Seus olhos eram grandes para o pequeno rosto, amendoados e amarelados, de íris cor de âmbar. Esse era um velho espirito da floresta, uma antiga entidade que ensinava as jovens bruxas o necessário para entrar em contato com os elementais e os outros avatares e entidades. Ela se espantou por um momento dele estar ali, mas sorriu com sinceridade por vê-lo mais uma vez.
Seu sorriso, que antes era tão grande no rosto miúdo, estava contorcido e nervoso, mas ainda parecia um sorriso. O espirito então falou para Luzia que o dia de amanhã não viria, que o povo da ignorância iria tirar a jovem bruxa do caminho da iluminação e destruir seus livros que escrevera para as gerações vindouras. Disse também que havia se espalhado pela Espanha uma era de trevas e escuridão, onde a sabedoria se perderia se não fosse guardada. Luzia entendeu que a inquisição finalmente havia alcançado a longínqua vila em que morava e seu coração bateu mais forte, com medo. O espirito continuou, com um sorriso mais tranquilo, dizendo que ela nada sofreria, pois quando chegasse o momento, estaria ele ali, para tranquiliza-la, para tirar sua dor e para leva-la de volta para a floresta, onde lá ficaria e faria parte, junto de outras bruxas que já haviam partido.
O rosto de Luzia se cobriu de lagrimas, mas mantinha um sorriso mínimo. Disse para o espirito que gostaria de ver sua filha crescer, mas que ela não deveria ter o mesmo destino da mãe. A pequena criança de apenas 3 anos não precisava daquilo. O espirito então tocou seu ombro e sorriu de forma confortante, a criança não sentiria o fogo ou a espada da ignorância, teria uma vida plena e uma incrível tutora. Disse também que, quando a hora chegasse, essa criança continuaria o legado da mãe, ainda que todo seus livros e receitas já não mais existirão na manhã seguinte.
Luzia estão respirou fundo, os silfos ainda cantarolavam e o espirito da floresta se juntou ao coro, cantando uma canção suave e delicada, acalmando o coração da jovem bruxa. Luzia então acompanhou seus amigos no cântico, se pondo de pé e aceitando seu destino com dignidade e coragem, com a convicção do que sempre foi, uma bruxa que conhecia os segredos da natureza, e seria sacrificada em nome de um culto a um novo deus. Luzia então, após ter seu coração e espirito acalmados, perguntou para o espirito o que seria deles. Ele sorriu da mesma forma e levitou até ficar a altura dos olhos da moça, e com uma simplicidade majestosa, disse:
“Ainda que os homens, primitivos e covardes como são, ignorantes em sua própria natureza, destrua tanto conhecimento como vontade, tanto vida como sabedoria, ainda não venceram, pois no fundo, todos vocês tem a capacidade de amar, a chama da sabedoria e a divindade do criador que infunde toda a criação. Pois eu sou feito como você e você vai se tornar como eu, e todos os seres humanos terão sua chance, chance após chance, colhendo cada semente plantada, desde a saudável e glamorosa até a doente e podre. Portanto, não se preocupe jovem bruxa, pois seus dias nesse involucro que a detém já não mais perduraram, seu espirito estará livre e sua missão poderá ser concluída.”
Dois anos depois, a pequena criança brincava na entrada da floresta, em um pequeno riacho rodeado de pedras musgosas e flores pequenas. Seus cabelos encaracolados como os da mãe e seu sorriso inocente encantada belo brilho da água e da pequena ondina que fazia círculos e caminhos no riacho para entreter a criança. Então, na outra margem, a alguns metros da criança, o espirito da floresta surgi, sorridente e acompanhado de uma mulher luminosa, cujos cabelos encaracolados pareciam ser acariciados por uma brisa constante, de vestido amarelo e sorriso ainda mais carinhoso e acolhedor. A criança não se assusta, pelo contrário, sorri e se alegra pela presença dos dois. O espirito então, com a permissão da mulher, caminha sobre as aguas, acompanhado de sua companheira, e diz a criança:
“Você é uma criança maravilhosa, assim como as outras crianças em torno do mundo. De hoje em diante, lhe ensinaremos coisas que apenas você pode saber, e ninguém mais. Ainda que queira compartilhar toda essa majestade, já que é bela de coração, deve conter apenas para ti, pois apenas você tem a capacidade de compreender. Essa mulher ao meu lado será sua tutora, sua mestra nas artes mais sagradas da natureza. E com o tempo, passara a entender o mundo ao seu redor e toda sua vida e natureza, assim como a nossa e a sua própria. Agora vá criança, e volte quando tiver sede, pois estaremos aqui para ti. Hoje e sempre, assim como estará para as próximas gerações.”
A criança ainda sorridente se afasta, perseguindo um pequeno esquilo, sorridente e brincalhona. O espirito então se senta a margem, acompanhado da mulher. Silfos saem das moitas, a ondina tira a cabeça para fora da agua e todos eles começam a cantar uma canção suave, cheia de ternura e paz.
A criança então volta e começa a acompanhar, do jeito inocente e desajeitado de toda as crianças. O espirito então sorri para a mulher e sussurra em seu ouvido:

“Não a motivo para preocupação, Luzia. Sua filha não terá o mesmo destino que o seu, mas após sua passagem, se juntará a nós, para que sua neta então seja ensinada, e assim por diante, até que todos entendam sua parte na natureza, e finalmente, nos tornemos todos um.”

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Krypton e a Republica de Platão



 
Quem leu a Republica de Platão e assistiu o novo filme do Superman, Man of steel, deve ter reparado que a sociedade de Krypton é baseada na sociedade utópica imaginada por Platão em seu livro, onde todas as pessoas tem um lugar especifico na sociedade e esse lugar já é escolhido no momento do nascimento.

No caso de Krypton, as crianças eram criadas com manipulação genética, cada qual já encaminhada para sua futura profissão e status na sociedade, em Platão, essas crianças seriam treinadas e orientadas a seguir sua profissão ou a ocupar o seu status na sociedade. Em Man of Steel, se você já leu o livro de Platão, isso vai ficar bem claro. A sociedade é governada pelos sábios, pelos anciões ou seja lá por qual figura que detém o conhecimento sobre a sociedade e a forma que ela funciona, ou seja, cada qual tem seu papel na sociedade, por exemplo, nenhum padeiro poderia ser soldado e nenhum soldado poderia ser padeiro. Não só lhe seria proibido tal coisa, como não seria capaz, já que lhe faltaria o talento e a capacidade para tal.

Os governantes não tem a moral que nós estamos acostumados a ter, o exemplo de Zod e de seus soldados é claro quanto a isso. Eles tinham um objetivo e não se importavam com os meios para alcança-lo. Em Platão não é diferente, a moral seria moldada pelos governantes apenas para que aqueles que o seguem tivessem um código de conduta que a ordem fosse mantida através da força policial do estado. Além disso, os governantes fariam parte da elite da sociedade onde apenas eles saberiam do “segredo” que faz a sociedade funcionar dessa forma. Para Platão, essa sociedade beiraria a perfeição.

É interessante ver como Zod se comporta diferente do Superman, onde duas visões completamente distintas se confrontam. O general Zod em sua visão necessita conquistar a Terra (e com isso exterminar a raça humana) para criar uma nova Krypton, e ele não está errado, já que foi feito para isso, para ser o guardião de Krypton e de seus valores. Superman por outro lado escolhe defender a Terra e a sua liberdade. O filme, ao trazer esse conteúdo filosófico, saiu daquele tipo de filme em que vamos ao cinema, encaramos longas cenas de ação e saímos tão vazios do cinema como entramos. Man of steel tem uma grande serie de longas cenas de ação, mas seu conteúdo filosófico não fica para trás.

Zod e o Superman são dois lados de uma moeda, onde um nasceu para ser o que é e o outro foi lhe dado a oportunidade de ser o que quisesse, e através da escolha, ele decide dar as costas para sua própria raça e ficar do lado do planeta que o “acolheu”. Isso mostra o quão interessante as coisas podem ficar no sentido filosófico da coisa, veja bem... Em dado momento da história de Krypton, a sociedade se transforma naquela Republica que Platão imaginou, as crianças não nascem mais de forma natural e há o condicionamento genético para cria-los com um propósito desde o início. Zod foi criado dessa forma, mas em sua concepção de o que era melhor para Krypton, começa uma luta a favor das pessoas geneticamente criadas e busca o códex que contém as informações necessárias para salvar sua raça, contudo, é vencido e aprisionado pelos seus superiores.

Mas isso não era o certo? Zod não deveria ser ajudado para salvar Krypton?

De acordo com o Jor-El, pai do Superman e uma espécie de líder filosófico e cientista (e lembrando que os líderes da Republica de Platão seriam filósofos e cientistas), isso não iria adiantar porque Krypton já estava enfrentando seus últimos dias, graças aos avanços tecnológicos, as mudanças que fizeram e que, de alguma forma, desestabilizaram o núcleo do planeta o que ocasionou sua destruição. Em Platão não é diferente, ele diz que a sociedade perfeita e utópica que havia criado tenderia a falha porque os humanos são falhos, dessa forma, em algum momento de sua história, haveria um erro de cálculo, de julgamento ou mesmo cientifico, como vimos em Man of Steel, que ocasionaria o fim dessa sociedade. O Superman foi considerado por Jor-El como o futuro de Krypton, já que ele seria livre dessa manipulação e seria puro, podendo ter suas próprias escolhas. Dessa forma, Jor-El insere em seu DNA a informação necessária para reconstruir os kryptonianos, o codex, tanto que a nave com todos os fetos também é enviada para a Terra e ficaria a cargo dele continuar Krypton da melhor forma possível, ou da forma que ele julgasse certa.

Zod vai atrás do filho de Jor-El para pegar o códex e com ele reconstruir Krypton. Como nós torcemos para que o Superman vença, já que somos humanos! Mas imagine se fossemos Kryptonianos, Zod seria nosso nobre salvador, ergueríamos estatuas e contaríamos sua história por milênios! O vilão de Man of Steel não é exatamente um vilão e Superman pode não ser considerado um herói, já que foi ele que causou a extinção dos últimos Kryptonianos e da última chance de Krypton, o que ele deixa bem claro quando derruba a nave e diz “Krypton teve sua chance”...

A mensagem que nos traz é de que a evolução forçada não vence a evolução natural. Kal-El, o Superman, é a parte dessa evolução natural, ou o início de uma nova era evolutiva, enquanto Zod é a evolução forçada, onde ele se torna incompleto já que não pode ser nada mais do que nasceu para ser. Fica claro que também queriam que esse tema fosse levado em conta, onde a braço direito de Zod, Faora-Ul, diz para o Superman em uma luta “A evolução sempre vence”... Pois é.

Então é isso, encerro aqui esse pequeno texto comparando Man of Steel e a Republica de Platão, ainda que o filme traga muito mais a se pensar que apenas a ideia da Republica Kryptoniana, mas acerca também do papel de herói e vilão, da necessidade de sobrevivência e também da evolução em si, não quis me estender por demais nesses assuntos e apenas trazer uma ideia a se pensar. Imagine se, de hoje em diante, todos os filmes cheios de ação trouxessem mensagens assim. E se você acha que toda essa ideia é besteira, existe uma cena onde o pequeno Clark está lendo Platão ao sofrer bullyng.

P.S: Uma coisa que ainda me deixa com a pulga atrás da orelha e que vou acabar descobrindo o porque... Mas Kal-El, o Superman, disse que tinha 33 anos, a idade de Cristo quando acabou sua missão terrena... Mas isso é assunto para um próximo post. 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Realidade 2.0

Primeiro eu achei que era uma brincadeira, só poderia ser. A ideia de que alguém construiu em um computador um outro mundo e, aí vem a parte engraçada, conseguiu criar uma porta que o levasse para esse mundo, só poderia ser uma piada. Mas não era.
Eu o conheci online, depois o visitei em casa. Seu nome era Ichiro, um japonês cansado, de olhos fundo e a barba sempre a fazer deixava seu rosto quadrado como um cubo de Rubik, só não era colorido. Esse homem me mostrou todo seu projeto, no porão da casa de seus pais. Um laptop plugado a uma grande máquina e da máquina, fios emolduravam uma porta de madeira que dava acesso a um quarto de ferramentas, os fios eram conectados a pequenos cubos de ferro onde um led verde ou vermelho piscava regularmente. Era um caos, mas ele não se perdia naquele emaranhado.
Ichiro conseguiu juntar mais seis pessoas que acreditavam em seu projeto e o financiaram, não com muito, por mais incrível que tudo aquilo parecesse, não era caro, apenas trabalhoso. Todas essas pessoas se uniram ao japonês por um simples motivo.
Sua vida era sem graça. Achavam a realidade extremamente entediante e monótona.
Eles se dispuseram a participar do seu projeto e eu também pois compartilhava da sua visão sobre o mundo. Era sem graça, monótono e sem sentido. Ajudei ele com alguns detalhes, estudamos possibilidades, modos, meios e tudo que era preciso para criarmos o mundo e sua porta. Por mais que eu estudasse e o ajudasse, era a sua ideia, sua genialidade que tornou aquilo possível.
Nos reunimos em uma manhã quando finalmente abrimos aquela porta e lá estava, ao invés do quarto de ferramentas, uma grande planície, linda, a paisagem perfeita imaginada por uma das mulheres do grupo. O céu, as nuvens, a grama e as flores... Tudo era perfeito. Eles entraram sem pensar duas vezes, eu segurava a porta aberta.
Havia um porem com a porta, no momento que ela fosse fechada, não haveria volta. O portal seria fechado e nunca mais aberto. Votamos por deixar a porta aberta, mas quando eles entraram e finalmente sorriram, eu entendi.
Aquele mundo era o mundo deles e nunca precisariam voltar, essa realidade era horrível para eles, mas não aquela, nunca seria. Olhei o laptop, olhei a máquina e percebi que, se elas fossem desligadas, o mundo iria se perder e inclusive eles que foram capaz de adentrar naquele novo universo.
Com a pior sensação de perda que já tive em minha vida, cerrei os olhos e fechei a porta. Seria o guardião daquele mundo, estaria cuidando para que todos pudessem aproveitar uma vida naquele lugar.
Não sabia como explicar para os pais de Ichiro a ausência do filho, então por falta de desculpa melhor, disse a eles que fiquei encarregado de terminar seu projeto enquanto estivesse ausente, mas sobre sua ausência nada pude dizer. Em uma noite em especial, notei que algo estava incoerente no algoritmo que Ichiro criou e, acima de tudo, sobre a possibilidade da criação de um mundo virtual. Ele não compartilhou uma informação essencial comigo, a de que não era possível transformar matéria em dados e vice versa, logo, sua porta de fato foi aberta para outro mundo mas de longe era virtual. Passei meses analisando os dados até descobrir que de fato ele criou um universo naquele porão, mas aquele universo era físico e real, e ao se expandir, tomou para si uma das 11 dimensões.
Ele sabia que eu não concordaria com isso.
Já ouviu dizer que nada se cria, tudo se transforma? A partir dessa ideia você pode entender que eles destruíram matéria deste lado, já que a levaram para aquele outro. O resultado disso a longo prazo não poderia ser calculado, mas com certeza não poderia ser algo bom.
Através do laptop enviei uma mensagem para o grupo, que logo responderam que eu estava me preocupando a toa, que não haveria efeitos colaterais e que tudo ficaria bem. Após alguns dias recebi outra mensagem, de um dos membros do grupo, dizendo que eles estavam dispostos a ficarem lá não importando as consequências acarretadas no nosso mundo. Eu entrei em pânico. Tentei abrir a porta, religar a máquina do portal, cheguei ao ponto de pensar em desligar o computador, mas isso apenas traria a certeza de que eu teria apagado toda a matéria deles que pertencem a esse mundo.
Quase um mês depois, Ichiro concordou em voltar com o grupo e poderia recriar a máquina, faze-la funcionar da forma correta, trocando massas idênticas para que não houvesse desequilíbrio entre nenhum dos mundos e foi o que eu fiz, durante dois meses construí uma “válvula de escape”, uma forma de abrir a porta ao contrário, Ichiro teve de construir a mesma coisa do outro lado, mas ele levou questão de segundos, o que pensassem se concretizava daquele lado. Parecia maravilhoso a ideia mas eu estava muito preocupado para admirar a proeza.
Graças a uma trava de segurança que Ichiro havia implementado no algoritmo chamada “Buraco negro de Monroe” não era possível trazer nada daquele mundo para o nosso, exatamente com a ideia de que não interferíssemos na nossa realidade voltando daquela outra com coisas maravilhosas ou até mesmo perigosas.
Então ativei o Buraco negro de Monroe e desativei a trava, o processo havia iniciado, na tela negra do laptop as linhas de comando em branco passavam ligeiras, mostrando todos os passos que estavam sendo executados até o momento que começou o processo de transporte.
O maior medo que senti foi a ler os nomes, de um a um, de quem havia voltado. Havia o de Ichiro e os outros seis, mas também havia mais dois. Duas entradas onde diziam <nome_desconhecido transportado com sucesso>.
Ichiro não conseguia entender o porquê eles haviam sido transportados já que não havia razão para tal e, além disso, qual das inteligências artificias daquele mundo que foram tragadas pelo Buraco negro de Monroe, e também onde as entidades foram parar, já que não estavam naquele porão.
Foi então que percebi nossa sucessão de erros. Primeiro anulamos a existência da matéria deste lado e, então, destruímos a existência também do outro. Houve aí um desequilíbrio não só do nosso universo mas aquele que criamos que, por ser físico, responde as mesmas leis que o nosso. O problema foi que, naquele mundo, poderiam ser o que quisessem e todos estavam mais fortes, mais magros e esbeltos... O peso deles havia mudado e, quando retornaram, não era o mesmo peso que esse universo precisava, o Buraco Negro de Monroe foi obrigado a pegar mais duas entidades para que o peso entrasse em acordo com a massa total do nosso universo.
Sei que pode soar complicado, mas não é. Como eles entraram com um peso , esse mesmo peso deveria voltar, então eles voltaram com um peso y e o necessário para nosso universo se estabilizar seria então . Mas a diferença de x e y significou uma massa equivalente a duas entidades daquele lado que passaram para cá para que assim o universo voltasse a ter sua massa de sempre.
Eles estavam preocupados em saber como voltariam para aquele outro mundo, o Buraco negro de Monroe seria usado para trazer massa daquele lado equivalente a massa deles, poderia ser até mesmo areia e eles fariam isso de novo, eu tenho certeza. Ichiro já cogitava criar outro mundo, melhor, outra porta, em outro lugar, uma máquina que seria abastecida e energia solar e por aí vai, ficaram teorizando e teorizando, mas apenas eu estava calado, o mundo deles já não me importava.

Eu fiquei preocupado não com eles, mas em quem eram os dois <nome_desconhecido> e o que fariam do nosso lado... 

terça-feira, 16 de julho de 2013


Graças ao dia do escritor! Promoção de 25% nos meus dois livros, Vazio e Personificae! Essa promoção ira durar até dia 25/07, aproveitem para conhecer essas obras!



Agentes da Balança -Cap XII-

Eva não viu Adão aquele dia. Na faculdade ou depois dela, preferiu assim, até lhe agradou não o ter visto. Pela manhã seu corpo não estava tão dolorido ou cansado, pela tarde já se sentia sem nenhuma diferença. Isso a agradou e, no fim da tarde, a aventura com Adão já parecia ter sido a muito tempo, uma lembrança distante.
Um misto de tristeza e alivio confundia seus sentimentos enquanto dirigia tranquilamente pelas ruas noturnas da cidade. Eram sete horas e o horário para visita no hospital em que Olavo estava se estendia apenas até as oito e meia. Lembrava da visão e de Locke, do armeiro e da espada, da Baldur e Hodur. Ficava imaginando, fantasiando até, o que Olavo poderia descobrir do véu que tampava os mistérios de suas visões, mas ainda assim, algo a deixava triste.
Seria o descaso de Adão?
Ou seria o medo de que nada daquilo fosse verdade ou não tivesse sentido algum?
Ficou no carro alguns minutos antes de sair ao estacionar, a lua mantinha o brilho da noite anterior, as nuvens contribuíam para um céu limpo e estrelado. A recepcionista que lembrava um canário lhe entregou um crachá de visitante, que Eva prendeu no vestido preto que usava, ia até os joelhos, sem detalhes, de um tecido fosco mas de um negro sem falhas.
Olavo estava mais corado, sua aparência débil ainda permanecia inalterada. Selene também estava lá, sentada na poltrona, lendo sem muito interesse uma revista de fofocas. Eva a cumprimentou rapidamente e foi até a janela, abrindo as persianas e deixando que a luz do luar entrasse no quarto.
__Olá Olavo! Está melhor?
__Até que estou, ao menos a febre está mais fraca.
__Que bom... –olhou para Selene que lia a revista com leves oleiras no rosto- Olavo... O que é Lunin Solza?
__Eu não sei. –apertou um botão na cama e ela começou a se inclinar para frente- Eu sei que esse nome vive ressoando na minha cabeça. Amanhã eu já vou receber alta e vou poder sair, vou atrás do que significa.
__Aí –Selene se intrometeu- Isso não é nada, você estava viajando na febre.
__Não, significa alguma coisa, eu sei e eu vou descobrir o que é. –Olavo olhou para Eva, estava simples mas linda ainda assim- E você Eva, o que acha disso? Por que o interesse?
 __A história é longa... –disse um tanto desconfortável- Mas eu não sei o que pode significar... Eu acho que, não sei bem, mas se você souber onde procurar, deveria dar uma olhada. Existe tanta coisa que não podemos explicar nesse mundo...
Eva ficou lá durante todo o horário de visitas e Olavo agradeceu profundamente a presença daquela mulher ali. Estava entediado, cansado e frustrado pela doença que o debilitava, ainda mais por não lembrar de nada do dia passado. Sabia que tinha andado, e muito, quase vinte quilômetros em baixo de sol quente e descalço. Os pés enfaixados incomodavam, as pernas doíam o tempo todo, a coluna parecia ter sustentado o peso do mundo nas costas. Receberia alta no dia seguinte, mas seu pai já havia comprado as muletas que teria de usar durante quase um mês.
Isso o entristecia, mas a presença de Eva parecia fazer tudo aquilo desaparecer.
Por Eva, sabia que faria tudo de novo.
...
Já era madrugada quando Olavo levantou da maca e caminhou lentamente até a janela. Estava sozinho no quarto, abriu a janela e se encostou na parede, respirando o ar da noite e deixando o luar lhe tocar a face. Fechou os olhos e sorriu, sentia-se revigorado ao estar ali, com os pés machucados doendo no chão, mas ainda assim, sentia como se uma força o alimentasse. Podia até contemplar o que era Lunin Solza, ela brilhava, era curvada e lembrava as terras árabes.
Quando Selene voltou para o quarto, viu Olavo sorrindo, ainda de olhos fechados. Ao seu redor uma suave aura esbranquiçada, alva como o próprio luar cobria todo seu corpo. Selene o olhou da cabeça aos pés, aquela aura também estava onde a luz não o tocava. A garota o guiou de volta para a cama, mas a imagem da aura que viu em Olavo ainda permanecia em sua mente, não sabia se era um efeito do luar ou se realmente alguma coisa diferente estava acontecendo com o irmão.
Em seus sonhos, Olavo caminhava em um deserto, sob o luar. Usava uma túnica amarela, pesada e, amarrado na cintura, estava um cinto de couro grosso, enrolado diversas vezes ao redor do corpo, onde Lunin Solza era carregada.
...
Já era sexta-feira e Eva ainda não havia encontrado com Adão novamente. Ele não havia ligado, a procurado na faculdade ou mesmo em casa. Eva praticava sua arte tediosamente, pintava um quadro onde copiava o seu celular, abandonado sobre a cômoda, tons pasteis e sombras deixavam o aparelho ainda mais triste, como se esquecido, como se esperasse por alguém. Nos toques finais, Eva sabia que era a ligação de Adão que esperava. Controlou a raiva e a vontade de destruir aquele quadro, esperando que aquela sensação fosse embora. 
Mas não o fez, sabia que a sensação não a abandonaria...
...
No fim de tarde de sexta, Adão experimentava duas braçadeiras, ajustando o couro e as presilhas no antebraço. Passou a semana inteira treinando e aperfeiçoando aquelas duas peças, até que se deu por satisfeito quando elas finalmente lhe serviram, ficando justas em seus braços. Fernanda havia chegado de viagem na quinta-feira, trazendo com ela uma boa quantidade de dinheiro pela venda dos quadros de Damasceno, comemoraram, fizeram amor, tudo como manda o figurino, mas Adão voltou para forja deixando Fernanda na cama, sozinha, até concluir seu trabalho. Era o que queria, e conseguiu.
Movia os braços para cima e para baixo, sentia o peso das braçadeiras, mas não o incomodava, conseguia se movimentar sem problemas. Como uma criança que fez um trabalho bem feito, correu até a sala e mostrou para uma Fernanda seminua no sofá, que assistia a um filme cult dos anos 70. Ela tocou o aço, avaliou o trabalho e o parabenizou com um sorriso e um beijo sincero. Eram realmente bonita as braçadeiras, o aço cromado refletia uma Fernanda desfocada e embaçada, mas não se esperava mais daquele material e ela sorriu ao se ver daquela maneira, sem uma forma definida.
Passou pela sua cabeça cortar os cabelos e usar um corte curto e militar.
Passou pela sua cabeça aqueles sóis estranhos que Adão desenhava sem parar.
Desviou o pensamento voltando para o sofá e o filme que assistia.
...
Banteng encarava Olavo de forma duvidosa. Tudo bem, sabia dos lacaios e o que seu pai lhe havia ensinado, mas para ele, Olavo era franzino e doente demais para suportar o que estava por vir e, levando em conta a veracidade dos acontecimentos, seu oponente o esmagaria como uma uva entre os dedos. A caixa em que Lunin Solza repousava estava sobre o balcão, a loja já fechada, Olavo curioso não conseguia conter o nervosismo enquanto Banteng ponderava se realmente lhe entregaria aquele objeto.
__Posso pelo menos ver o que é?
__Não. –respondeu cruzando os fortes braços sobre o peito- Já disse, espere meu pai sair do armazém.
__Mas ele já está lá a horas!
__Você está aqui a menos de meia hora. Controle-se! Você nunca nem a viu? Nem em sonhos?
__Não. Sei que eu a carregava em um deserto, mas não a vi, não sabia o que era. Mas só posso imaginar que seja uma...
__Banteng! –disse o armeiro, o corpo encurvado saia sem esforços da pequena porta- Se ele disse o nome, ela pertence a ele! Por quê hesita?
__Olhe você mesmo para ele, pai. Não sei nem mesmo se o homem consegue levantar uma arma!
__Uma arma? –Olavo arregalou os olhos, depois voltou a encarar a caixa- É uma arma?
O armeiro pegou a caixa de madeira velha e a abriu, revelando uma cimitarra, uma espada de lamina curva, com uma empunhadura de couro vermelho. Sua lamina era lustrosa, refletia bem os olhos de Olavo, cansados e fundos, mas surpresos e admirados. Era uma espada, era uma arma e parecia bem afiada.
__Lunin Solza... –tocou a empunhadura, deslizou os dedos e depois a segurou com firmeza- É a minha espada!
__Sim, é. –Banteng observava bem aquele momento em que Olavo se perdia em admiração pela arma- E o que você vai fazer com ela?
__Isso não é da sua conta Banteng. –disse com rispidez o armeiro- Deixe que o homem siga seu destino. Não esqueça de devolver quando terminar.
Olavo pode sentir a areia nos seus pés, o vento gelado do deserto, o peso e a dormência no braço de incontáveis combates. A experiência do manejo daquela arma parecia ser apenas uma memória latente que agora estava totalmente desperta, como se sempre soubesse como brandi-la. Sabia quem era o seu inimigo e não importava o porquê.
Era por ela que lutaria, por Eva.
...
Adão ainda estava com as braçadeiras quando Fernanda saiu para mais um evento, ainda viu Olavo chegando a pé, carregando uma caixa de madeira velha debaixo do braço. Se cumprimentaram se seguiram seus caminhos.
Tocou a campainha um tanto nervoso e logo foi atendido por um Adão sorridente, de braços abertos que pediu que entrasse. Levou Olavo até a fornalha e vestiu as braçadeiras molhadas de suor para mostrar para o amigo. Ele por sua vez abriu a caixa e pegou a espada.
__Opa! –disse Adão surpreso- Onde arranjou essa arma?
__Ela é Lunin Solza. –disse refletindo a luz da lua em sua lamina- E você... Você é o mal que macula a noite.
__Anh... –Adão o olhou sem entender- Desculpe?
__Você é o inimigo da noite Adão!
__Ei! Se você está bravo comigo por que eu transei com a Eva... Cara, isso não é motivo para...
Adão esquivou do primeiro e do segundo golpe, Olavo brandia aquela espada como se já estivesse acostumado com ela, a precisão dos seus golpes surpreendeu seu adversário. Pego desprevenido, Adão não sabia como lidar com a situação, apenas pensava no que poderia estar acontecendo.
__Ei Olavo! Pare com isso! Que porra é essa?
Olavo atacou novamente, descendo a espada sobre Adão. Ele defendeu com a braçadeira, sentiu o impacto no braço, o peso do golpe. De onde aquele homem fraco e doente conseguia toda aquela força? Pensou quando defendeu mais um golpe, a lamina zunindo e vibrando pelo golpe no aço.
__Olavo, não sei que porra você está fazendo, mas eu vou ter que quebrar sua cara se você não parar com...
Olavo deu uma estocada com a espada, acertando de raspão na lateral do abdômen de Adão. O sangue escorreu sem pressa, a dor latejou em aviso. O homem pôs a mão e viu o sangue nos dedos, seu inimigo não sorria, mal esboçava alguma expressão. A lamina da espada estava linda, brilhante, sem uma gota de sangue.
__Foi só um arranhão... –disse para si mesmo, assustado- Mas que porra...
Um golpe o pegou de surpresa, Adão defendeu com os braços juntos sobre a cabeça e, depois do impacto, perdeu o equilíbrio, dando passos trôpegos para trás até que bateu as costas na fornalha quente. Por sorte não se queimou, mas encontrou um martelo no alcance da mão. O pegou e ameaçou dar um golpe no amigo, que não recuou, apenas parou, o olhando, como um caçador esperando o movimento da sua presa.
Adão já havia visto aquela lamina, podia ter certeza que sim.
__No início minha mestra reinava soberana, linda em sua paz primordial. Por que você decidiu pôr um fim a isso?
__Eu não sei do que você...
Desviou de um golpe que teria lhe custado o braço, a lamina bateu na forja e arrancou uma lasca de concreto. Adão tentou golpear mas o martelo era pesado, estranho, não conseguia conter a investida que fez, era muito desengonçado com aquilo. Olavo esquivou sem dificuldades e em um contra ataque, acertou um golpe em seu peito. Lunin Solza cortou fundo, o sangue verteu com vontade e empapou a camisa rapidamente.
Empalideceu, o suor escorria de sua testa pelo seu rosto, estava com medo. Olavo estava certo do que queria e deixou bem claro neste golpe. Via aquele que era seu amigo ali, os pés ainda enfaixados, o corpo franzino, o rosto sem expressão. Queria ver um sorriso, queria que ele se preocupasse e dissesse desculpas, que foi longe demais.
Mas não aconteceu.
Adão parou e manteve o martelo levantado, esperando o próximo ataque, mas parecia que Olavo havia adquirido uma experiência em combate fora do comum. Ele descansou a espada abaixando o braço, relaxando os músculos e a tensão, ao contrário de Adão, que forçava o braço a segurar o martelo e começava a se sentir tonto.
__Por que você não brilha? –disse Olavo o encarando- Vê? Estamos sob o véu de minha rainha, você não pode...
__É, eu não posso. –disse e abaixou o martelo- Puta que pariu, acho que você vai me matar mesmo... E tudo por causa de uma boceta.
__Ainda zomba? –sorriu-
__Rainha, mestra, que porra idiota... É só mais uma boceta que comi e pronto. Levei duas facadas por isso? –riu- Quer saber Olavo? Você sempre foi muito frouxo para conseguir alguma mulher. Você é o marmita, sabe que é. Esquenta para os outros comerem.
__Vou acabar com sua vida de uma vez. –aprontou a espada e a girou- Vou arrancar seu coração em nome de...
Adão investiu em uma corrida desesperada, Olavo apenas sorriu, preparado para lhe  dar o golpe de misericórdia assim que chegasse mais perto.
Mas ele não chegou.
Adão arremessou o martelo parando a poucos passos do alcance da espada e Olavo. Ele tentou desviar, mas estava muito próximo e ainda assim o acertou no ombro, esmigalhando os ossos da clavícula, do braço e algumas costelas. Ele caiu no chão e a espada foi atirada longe.
__Puta que pariu... –disse Adão ofegando e segurando o corte no peito que ainda sangrava- Acho que matei... –Olavo se levantou com apenas um braço, o rosto com uma expressão clara de dor- Ah, graças a Deus.
Olavo correu curvado, sem jeito até a espada e Adão de volta a forja, pegou outro martelo, ainda maior e mais pesado. Sentiu o peso, deu dois golpes no ar e o segurou com as duas mãos. Agora sim, pensou, esse vai servir.
Olavo balançou a espada com o outro braço, mas não conseguiu o resultado que esperava. O ombro quebrado inchava e o braço pendia mole, imóvel.
__Vai embora cara. –gritou Adão- Seu louco! Vai embora daqui!
Ele resmungou alguma coisa e correu até a caixa de madeira, pegando com dificuldade e saindo pela mesma porta que entrou. Adão correu até a porta e ainda pode ver ele dobrando a esquina, correndo de forma esquisita, quase sem se importar com a dor no ombro. Bateu a porta e a trancou, ainda sangrava, mas sabia que o corte não era assim tão profundo.
Ligou para Rodrigo, mas não foi atendido. Não queria ir para o hospital, nenhum médico ia cair em uma conversa fiada vendo os dois cortes. Não podia incriminar Olavo, acreditava que o amigo estava febril, doente, que a doença que a tanto ia lhe degenerando finalmente havia lhe atacado a sanidade.
Ligou novamente, sem resposta. Pensou em quem ligar, Fernanda iria carregá-lo direto para um hospital e que se fodesse Olavo, ele era mais importante e a vítima ali.
Riscou o nome de Fernanda.

Ligou então sem muita vontade, não era o número que queria discar, mas era o único que poderia contar naquele momento.

Agentes da Balança -Cap XI-

__Mas pai! –Locke gritou- Minha vida é aqui! O que você quer indo para um país tão longe? Nem mesmo neva lá!
__Claro que neva.
Seu pai era um homem grande, um tanto redondo. Tinha uma barba grossa, cheia e de um louro limão. Seus olhos eram escuros, castanhos, diferentes do de Locke, o cabelo ia até os ombros, presos em um rabo de cavalo arrumado. Seu terno estava desabotoado, a barriga saliente estava à vontade na camisa social branca. Era um homem grande, quase dois metros de altura.
Locke massageou as têmporas, não aceitava a ideia de abandonar a Eslovênia, de abandonar sua vida, seus amigos, seus amores... Até mesmo a política do país lhe interessava. Seu pai sentou em uma poltrona laranja e suspirou, não gostava de ver Locke daquela forma, sabia de sua capacidade, de seus talentos.
__Locke... Você sabia que esse dia chegaria.
__Não, você me disse que um dia, talvez, pode ser que iriamos nos mudar para o Brasil. É bem diferente de –disse imitando a voz do pai- “Locke, agora nós vamos para o Brasil, arrume suas malas”.
__Lembra das aulas de português? Lembra dos livros sobre a cultura daquele país e tudo mais? Locke, seremos felizes lá. –sorriu sincero e fraterno- Eu sei que terá que recomeçar sua vida naquele país, mas sabe que seremos muito mais ricos lá do que aqui.
__Não se trata do dinheiro. –Locke caminhou em passos rápidos pela casa, apanhando seu cachecol e suas botas- Se trata de... –Baldur veio a mente, junto com a arvore parasitada pelo visco- Se trata de quem eu sou.
“Se trata de quem eu sou”. Repetiu em sua mente. Ao abrir a porta, pegou a pá em um suspiro aborrecido e começou a tirar a neve do caminho para a rua. Seu pai sorriu e se levantou, pegando outra e indo ajudar Locke. Quando terminaram, ele sorriu e se apoiou na pá, ofegante.
__Você nunca mais vai precisar fazer isso.
Locke fincou a pá no chão, o rosto vermelho, os olhos da cor do mar estavam cheios d’agua. Sofria, sentia a dor de perder tudo pelo que lutou, tudo que criou e cultivou. Era uma eslovena, não uma brasileira. Se ajoelhou e apanhou um punhado de neve suja, a amou como era, perfeita em sua impureza. Olhou para o pai que retribuía o olhar de forma mais amável possível, mas Locke não suportava o fato de precisar ir embora.
__Tudo bem. –disse e levantou, devolvendo a neve para o chão- É amanhã?
__De madrugada. Viagem de urgência. –pegou a pá de Locke e voltou para dentro da casa-
__Filho da puta. –disse por fim quando o pai fechou a porta-
...
Locke tremia com as mãos no bolso, os braços juntos ao corpo. Tentava não mostrar o nervosismo enquanto o homem da loja tediosamente pegava o troco da caixa registradora antiquada. Ele olhou para Locke como se olha para um criminoso de rua, comprando uma faca para tentar seu primeiro roubo, mas não era proibido por lei, logo Locke poderia comprar o que quisesse naquele supermercado.
Tinha comprado uma faca pequena de caça e um pacote de bolacha. Quando o homem olhou para Locke tremendo com as mãos no bolso, simplesmente disse que era para o seu pai. O caixa deu de ombros, um sorriso com barba a fazer que agradou Locke. Depois de lhe devolver o troco, o homem no caixa se apoiou no balcão de madeira e chamou sua atenção.
__Eu não sei o que você vai fazer com essa faca, e não me importo. –disse sorrindo- Mas eu posso te perguntar uma coisa?
Locke suspirou sem paciência e ajeitou os óculos vermelhos no rosto, forçando um sorriso.
__Claro.
__Se eu te convidasse para sair... –limpou a garganta, olhando para os lados- Eu seria um gay ou um macho?
Os olhos caribenhos brilharam e Locke sorriu sacana, pôs as duas mãos na cintura e inclinou um pouco o corpo para frente. Usava uma jaqueta verde de lã pesada pelo frio, seu corpo escondido pela roupa que lhe protegia do inverno.
__Vai ter que descobrir quando tirar minha roupa, topa?
O homem riu um tanto constrangido com a resposta tão direta e atendeu outro cliente que já despejava as compras no balcão de madeira. Locke deu de ombros e disse um “você que está perdendo” enquanto caminhava sem pressa para fora do mercado. O caixa ainda olhou Locke saindo, quase em um rebolado. Ficou realmente curioso em saber se Locke era uma menina com cara de menino ou menino com cara de menina e sentiu receio de si mesmo, qualquer das opções estaria errado na concepção dele.
...
Estavam caminhando fora dos limites da pequena cidade, passando entre pinheiros acinzentados e coberto por uma fina camada de neve. Ela se acumulava gentilmente nos galhos, fazendo o papel das folhas que antes ficavam ali. Baldur ia na frente, meio sem jeito, caminhando um tanto apressado, sorridente. Se apoiava em um ou outro pinheiro enquanto, ao tropeços, desciam em direção a um riacho que passava na região.
__O que foi Locke?
__Quieto! –disse com as mãos no bolso, a testa franzida em linhas retas-
__Vamos para o riacho? –perguntou com o mesmo sorriso, Locke viu seus lábios circulados por aquela penugem que se esforçava para ser barba- Eu lembro quando fomos lá a primeira vez...
__Quieto! Já disse, quieto!
Baldur levantou as mãos em um “tudo bem” e continuou andando. Parou um momento ao ver um coelho se afundando na neve, saltando novamente e mergulhando. Imaginou uma coisa boba, “os coelhos são os peixes da neve”. Riu de si mesmo e voltou a caminhar, Locke olhou o coelho marrom sujo de neve, saltando para longe deles e pensou a mesma coisa, mas não riu.
Quando chegaram ao riacho, a água escorria fina, as margens levemente congeladas. Havia pedras grandes e redondas por toda a extensão que viam até entrar na floresta, onde se estreitava ainda mais e desbancava em uma série de rochas, onde fez o seu caminho ao passar dos séculos, as pedras esculpidas pela água. O riacho se estreitava ali a não mais que dois metros, escorrendo rápido e seguindo seu caminho. Baldur sorriu ao ver como a natureza era bela ali, as pedras no meio do riacho eram cobertas por um musgo verde e salpicadas de branco pela neve, saltou sem medo sobre uma delas e ficou olhando a água que passava entre aquela rocha, um sorriso sincero no rosto esculpia aquela cena.
Locke olhava para Baldur com um misto de raiva e pena.
__Eu vou embora Baldur.
__Mas já? Nós acabamos de chegar!
Locke segurou firme o cabo da faca por dentro da jaqueta.
__Eu vou embora para o Brasil.
Baldur ponderou por um momento, tentando se lembrar onde ouviu aquele nome.
__É um país, em outro continente. –respirou fundo, sentia a mão suada em volta do cabo- Eu não vou voltar mais Baldur, vou embora hoje de madrugada.
O rapaz saltou de volta e escorregou, caindo de quatro na margem do lago. Locke se agachou e o ajudou a se levantar. Seu rosto estava vermelho de vergonha, os olhos cheios d’agua pareciam ainda mais com grandes bolas de gude do que antes. Locke bateu a neve de seus braços e acariciou seu rosto, segurava as lagrimas que insistiam em se formar ao vê-lo assim.
__Mas Locke... Você é tão importante para mim quanto Hodur. –pensou por um momento e disse choroso- Hodur é meu irmão, você é diferente, você é um importante diferente...
__É, eu sei. –os lábios tremiam, uma lágrima escorreu no rosto firme de Locke- Eu sei, você também é um importante diferente para mim. –o rosto de Baldur estava frio, gelado, sentia na ponta dos dedos- Você... Você não faz ideia do que sente por mim, não é?
Baldur abaixou o rosto por um momento, não conseguia raciocinar direito sentindo o toque de Locke em seu rosto, sempre admirou aquela pessoa que estava ali, em sua frente, lhe tocando de forma tão carinhosa, tão compreensiva. Era a única pessoa que o entendia de verdade, que realmente gostava de conviver com ele, não apenas na escola, não apenas como “um garoto inteligente” na turma, mas uma pessoa, um homem.
__Não sei não Locke. –disse em um sorriso bobo- Mas... Você sempre vai ser a pessoa mais especial para mim.
Baldur se segurou um pouco e depois abraçou Locke com força. Aquela pessoa que lhe era tão especial retribuiu o abraço, segurando-o com firmeza. Era incrivelmente fofo, pensou, era como abraçar um grande urso de pelúcia. Locke afagou os cabelos esquisitos de Baldur por um tempo depois os segurou com força e os puxou, deu-lhe um beijo estralado nos lábios e o encarou por alguns segundos, onde Baldur retribuía o olhar com um sorriso acanhado e corado.
__Isso foi...
__É. –responde Locke- É, é, é... Tá! Vai embora! Xô! Corre! Foge! Some!
Baldur sorriu e voltou a caminhar, fazendo o caminho de volta. Quando subiu um pouco o morro, se apoiou em um pinheiro para não cair e gritou para Locke.
__Ei! Você sempre vai ser minha pessoa mais importante!
__Ainda está aqui? –gritou de volta- Vai embora!
__Ainda vamos nos falar pela internet, não é? –disse esperançoso- Boa viagem Locke!
__Vai embora caramba! –se agachou e fez uma bola de neve, jogando em Baldur- Sai! Me deixa só!
Baldur fez o mesmo movimento de “tudo bem” e voltou a caminhar. Locke sentou na neve segurando o choro até que ele se afastasse o suficiente, depois deixou-se chorar a vontade.
Eslovênia... Locke olhou aquele riacho e se levantou depois de quase meia hora, pegou a faca e jogou-a no riacho, com raiva. Quando enfiou a mão no outro bolso, lembrou da bolacha que havia comprado para Baldur e que havia esquecido de lhe entregar, era a sua preferida, recheada de polpa de morango.

__Filho da puta... –encarou o brilho da faca na água cristalina- Filho da puta... Eu ainda mato aquele filho da puta. –olhava a bolacha e sentia o carinho que tinha por Baldur- Filho da... –jogou também o pacote de bolacha no riacho, a raiva fluía sem rédeas- Filho da puta! –gritou- Eu ainda te mato seu maldito! Eu vou voltar só para te matar Baldur seu filho da puta!