Primeiro
eu achei que era uma brincadeira, só poderia ser. A ideia de que alguém
construiu em um computador um outro mundo e, aí vem a parte engraçada,
conseguiu criar uma porta que o levasse para esse mundo, só poderia ser uma
piada. Mas não era.
Eu
o conheci online, depois o visitei em casa. Seu nome era Ichiro, um japonês
cansado, de olhos fundo e a barba sempre a fazer deixava seu rosto quadrado
como um cubo de Rubik, só não era colorido. Esse homem me mostrou todo seu
projeto, no porão da casa de seus pais. Um laptop plugado a uma grande máquina
e da máquina, fios emolduravam uma porta de madeira que dava acesso a um quarto
de ferramentas, os fios eram conectados a pequenos cubos de ferro onde um led
verde ou vermelho piscava regularmente. Era um caos, mas ele não se perdia
naquele emaranhado.
Ichiro
conseguiu juntar mais seis pessoas que acreditavam em seu projeto e o
financiaram, não com muito, por mais incrível que tudo aquilo parecesse, não
era caro, apenas trabalhoso. Todas essas pessoas se uniram ao japonês por um
simples motivo.
Sua
vida era sem graça. Achavam a realidade extremamente entediante e monótona.
Eles
se dispuseram a participar do seu projeto e eu também pois compartilhava da sua
visão sobre o mundo. Era sem graça, monótono e sem sentido. Ajudei ele com
alguns detalhes, estudamos possibilidades, modos, meios e tudo que era preciso
para criarmos o mundo e sua porta. Por mais que eu estudasse e o ajudasse, era
a sua ideia, sua genialidade que tornou aquilo possível.
Nos
reunimos em uma manhã quando finalmente abrimos aquela porta e lá estava, ao
invés do quarto de ferramentas, uma grande planície, linda, a paisagem perfeita
imaginada por uma das mulheres do grupo. O céu, as nuvens, a grama e as
flores... Tudo era perfeito. Eles entraram sem pensar duas vezes, eu segurava a
porta aberta.
Havia
um porem com a porta, no momento que ela fosse fechada, não haveria volta. O
portal seria fechado e nunca mais aberto. Votamos por deixar a porta aberta,
mas quando eles entraram e finalmente sorriram, eu entendi.
Aquele
mundo era o mundo deles e nunca precisariam voltar, essa realidade era horrível
para eles, mas não aquela, nunca seria. Olhei o laptop, olhei a máquina e
percebi que, se elas fossem desligadas, o mundo iria se perder e inclusive eles
que foram capaz de adentrar naquele novo universo.
Com
a pior sensação de perda que já tive em minha vida, cerrei os olhos e fechei a
porta. Seria o guardião daquele mundo, estaria cuidando para que todos pudessem
aproveitar uma vida naquele lugar.
Não
sabia como explicar para os pais de Ichiro a ausência do filho, então por falta
de desculpa melhor, disse a eles que fiquei encarregado de terminar seu projeto
enquanto estivesse ausente, mas sobre sua ausência nada pude dizer. Em uma
noite em especial, notei que algo estava incoerente no algoritmo que Ichiro
criou e, acima de tudo, sobre a possibilidade da criação de um mundo virtual.
Ele não compartilhou uma informação essencial comigo, a de que não era possível
transformar matéria em dados e vice versa, logo, sua porta de fato foi aberta
para outro mundo mas de longe era virtual. Passei meses analisando os dados até
descobrir que de fato ele criou um universo naquele porão, mas aquele universo
era físico e real, e ao se expandir, tomou para si uma das 11 dimensões.
Ele
sabia que eu não concordaria com isso.
Já
ouviu dizer que nada se cria, tudo se transforma? A partir dessa ideia você
pode entender que eles destruíram matéria deste lado, já que a levaram para
aquele outro. O resultado disso a longo prazo não poderia ser calculado, mas
com certeza não poderia ser algo bom.
Através
do laptop enviei uma mensagem para o grupo, que logo responderam que eu estava
me preocupando a toa, que não haveria efeitos colaterais e que tudo ficaria
bem. Após alguns dias recebi outra mensagem, de um dos membros do grupo,
dizendo que eles estavam dispostos a ficarem lá não importando as consequências
acarretadas no nosso mundo. Eu entrei em pânico. Tentei abrir a porta, religar
a máquina do portal, cheguei ao ponto de pensar em desligar o computador, mas
isso apenas traria a certeza de que eu teria apagado toda a matéria deles que
pertencem a esse mundo.
Quase
um mês depois, Ichiro concordou em voltar com o grupo e poderia recriar a máquina,
faze-la funcionar da forma correta, trocando massas idênticas para que não
houvesse desequilíbrio entre nenhum dos mundos e foi o que eu fiz, durante dois
meses construí uma “válvula de escape”, uma forma de abrir a porta ao
contrário, Ichiro teve de construir a mesma coisa do outro lado, mas ele levou
questão de segundos, o que pensassem se concretizava daquele lado. Parecia
maravilhoso a ideia mas eu estava muito preocupado para admirar a proeza.
Graças
a uma trava de segurança que Ichiro havia implementado no algoritmo chamada “Buraco
negro de Monroe” não era possível trazer nada daquele mundo para o nosso,
exatamente com a ideia de que não interferíssemos na nossa realidade voltando
daquela outra com coisas maravilhosas ou até mesmo perigosas.
Então
ativei o Buraco negro de Monroe e desativei a trava, o processo havia iniciado,
na tela negra do laptop as linhas de comando em branco passavam ligeiras,
mostrando todos os passos que estavam sendo executados até o momento que
começou o processo de transporte.
O
maior medo que senti foi a ler os nomes, de um a um, de quem havia voltado.
Havia o de Ichiro e os outros seis, mas também havia mais dois. Duas entradas
onde diziam <nome_desconhecido transportado com sucesso>.
Ichiro
não conseguia entender o porquê eles haviam sido transportados já que não havia
razão para tal e, além disso, qual das inteligências artificias daquele mundo
que foram tragadas pelo Buraco negro de Monroe, e também onde as entidades
foram parar, já que não estavam naquele porão.
Foi
então que percebi nossa sucessão de erros. Primeiro anulamos a existência da
matéria deste lado e, então, destruímos a existência também do outro. Houve aí
um desequilíbrio não só do nosso universo mas aquele que criamos que, por ser físico,
responde as mesmas leis que o nosso. O problema foi que, naquele mundo,
poderiam ser o que quisessem e todos estavam mais fortes, mais magros e
esbeltos... O peso deles havia mudado e, quando retornaram, não era o mesmo
peso que esse universo precisava, o Buraco Negro de Monroe foi obrigado a pegar
mais duas entidades para que o peso entrasse em acordo com a massa total do
nosso universo.
Sei
que pode soar complicado, mas não é. Como eles entraram com um peso
, esse mesmo peso deveria voltar, então
eles voltaram com um peso y e o necessário para nosso universo se estabilizar
seria então
. Mas a diferença de x e y significou uma
massa equivalente a duas entidades daquele lado que passaram para cá para que
assim o universo voltasse a ter sua massa de sempre.
Eles
estavam preocupados em saber como voltariam para aquele outro mundo, o Buraco negro
de Monroe seria usado para trazer massa daquele lado equivalente a massa deles,
poderia ser até mesmo areia e eles fariam isso de novo, eu tenho certeza.
Ichiro já cogitava criar outro mundo, melhor, outra porta, em outro lugar, uma máquina
que seria abastecida e energia solar e por aí vai, ficaram teorizando e
teorizando, mas apenas eu estava calado, o mundo deles já não me importava.
Eu
fiquei preocupado não com eles, mas em quem eram os dois
<nome_desconhecido> e o que fariam do nosso lado...
Ficou bem interessante, você escreve muito bem. Já pensou em juntar tudo em um mini livro?
ResponderExcluirAbraços,
Raquel
www.pipocamusical.com.br
Já sim, penso em reunir todos os meus contos e lançar um pequeno livro pelo Clube de Autores em um futuro próximo ^^.
ExcluirE obrigado pelo comentário, tenho mais contos que preciso trazer aqui para o Blogger.
Abraços!