quinta-feira, 18 de julho de 2013

Realidade 2.0

Primeiro eu achei que era uma brincadeira, só poderia ser. A ideia de que alguém construiu em um computador um outro mundo e, aí vem a parte engraçada, conseguiu criar uma porta que o levasse para esse mundo, só poderia ser uma piada. Mas não era.
Eu o conheci online, depois o visitei em casa. Seu nome era Ichiro, um japonês cansado, de olhos fundo e a barba sempre a fazer deixava seu rosto quadrado como um cubo de Rubik, só não era colorido. Esse homem me mostrou todo seu projeto, no porão da casa de seus pais. Um laptop plugado a uma grande máquina e da máquina, fios emolduravam uma porta de madeira que dava acesso a um quarto de ferramentas, os fios eram conectados a pequenos cubos de ferro onde um led verde ou vermelho piscava regularmente. Era um caos, mas ele não se perdia naquele emaranhado.
Ichiro conseguiu juntar mais seis pessoas que acreditavam em seu projeto e o financiaram, não com muito, por mais incrível que tudo aquilo parecesse, não era caro, apenas trabalhoso. Todas essas pessoas se uniram ao japonês por um simples motivo.
Sua vida era sem graça. Achavam a realidade extremamente entediante e monótona.
Eles se dispuseram a participar do seu projeto e eu também pois compartilhava da sua visão sobre o mundo. Era sem graça, monótono e sem sentido. Ajudei ele com alguns detalhes, estudamos possibilidades, modos, meios e tudo que era preciso para criarmos o mundo e sua porta. Por mais que eu estudasse e o ajudasse, era a sua ideia, sua genialidade que tornou aquilo possível.
Nos reunimos em uma manhã quando finalmente abrimos aquela porta e lá estava, ao invés do quarto de ferramentas, uma grande planície, linda, a paisagem perfeita imaginada por uma das mulheres do grupo. O céu, as nuvens, a grama e as flores... Tudo era perfeito. Eles entraram sem pensar duas vezes, eu segurava a porta aberta.
Havia um porem com a porta, no momento que ela fosse fechada, não haveria volta. O portal seria fechado e nunca mais aberto. Votamos por deixar a porta aberta, mas quando eles entraram e finalmente sorriram, eu entendi.
Aquele mundo era o mundo deles e nunca precisariam voltar, essa realidade era horrível para eles, mas não aquela, nunca seria. Olhei o laptop, olhei a máquina e percebi que, se elas fossem desligadas, o mundo iria se perder e inclusive eles que foram capaz de adentrar naquele novo universo.
Com a pior sensação de perda que já tive em minha vida, cerrei os olhos e fechei a porta. Seria o guardião daquele mundo, estaria cuidando para que todos pudessem aproveitar uma vida naquele lugar.
Não sabia como explicar para os pais de Ichiro a ausência do filho, então por falta de desculpa melhor, disse a eles que fiquei encarregado de terminar seu projeto enquanto estivesse ausente, mas sobre sua ausência nada pude dizer. Em uma noite em especial, notei que algo estava incoerente no algoritmo que Ichiro criou e, acima de tudo, sobre a possibilidade da criação de um mundo virtual. Ele não compartilhou uma informação essencial comigo, a de que não era possível transformar matéria em dados e vice versa, logo, sua porta de fato foi aberta para outro mundo mas de longe era virtual. Passei meses analisando os dados até descobrir que de fato ele criou um universo naquele porão, mas aquele universo era físico e real, e ao se expandir, tomou para si uma das 11 dimensões.
Ele sabia que eu não concordaria com isso.
Já ouviu dizer que nada se cria, tudo se transforma? A partir dessa ideia você pode entender que eles destruíram matéria deste lado, já que a levaram para aquele outro. O resultado disso a longo prazo não poderia ser calculado, mas com certeza não poderia ser algo bom.
Através do laptop enviei uma mensagem para o grupo, que logo responderam que eu estava me preocupando a toa, que não haveria efeitos colaterais e que tudo ficaria bem. Após alguns dias recebi outra mensagem, de um dos membros do grupo, dizendo que eles estavam dispostos a ficarem lá não importando as consequências acarretadas no nosso mundo. Eu entrei em pânico. Tentei abrir a porta, religar a máquina do portal, cheguei ao ponto de pensar em desligar o computador, mas isso apenas traria a certeza de que eu teria apagado toda a matéria deles que pertencem a esse mundo.
Quase um mês depois, Ichiro concordou em voltar com o grupo e poderia recriar a máquina, faze-la funcionar da forma correta, trocando massas idênticas para que não houvesse desequilíbrio entre nenhum dos mundos e foi o que eu fiz, durante dois meses construí uma “válvula de escape”, uma forma de abrir a porta ao contrário, Ichiro teve de construir a mesma coisa do outro lado, mas ele levou questão de segundos, o que pensassem se concretizava daquele lado. Parecia maravilhoso a ideia mas eu estava muito preocupado para admirar a proeza.
Graças a uma trava de segurança que Ichiro havia implementado no algoritmo chamada “Buraco negro de Monroe” não era possível trazer nada daquele mundo para o nosso, exatamente com a ideia de que não interferíssemos na nossa realidade voltando daquela outra com coisas maravilhosas ou até mesmo perigosas.
Então ativei o Buraco negro de Monroe e desativei a trava, o processo havia iniciado, na tela negra do laptop as linhas de comando em branco passavam ligeiras, mostrando todos os passos que estavam sendo executados até o momento que começou o processo de transporte.
O maior medo que senti foi a ler os nomes, de um a um, de quem havia voltado. Havia o de Ichiro e os outros seis, mas também havia mais dois. Duas entradas onde diziam <nome_desconhecido transportado com sucesso>.
Ichiro não conseguia entender o porquê eles haviam sido transportados já que não havia razão para tal e, além disso, qual das inteligências artificias daquele mundo que foram tragadas pelo Buraco negro de Monroe, e também onde as entidades foram parar, já que não estavam naquele porão.
Foi então que percebi nossa sucessão de erros. Primeiro anulamos a existência da matéria deste lado e, então, destruímos a existência também do outro. Houve aí um desequilíbrio não só do nosso universo mas aquele que criamos que, por ser físico, responde as mesmas leis que o nosso. O problema foi que, naquele mundo, poderiam ser o que quisessem e todos estavam mais fortes, mais magros e esbeltos... O peso deles havia mudado e, quando retornaram, não era o mesmo peso que esse universo precisava, o Buraco Negro de Monroe foi obrigado a pegar mais duas entidades para que o peso entrasse em acordo com a massa total do nosso universo.
Sei que pode soar complicado, mas não é. Como eles entraram com um peso , esse mesmo peso deveria voltar, então eles voltaram com um peso y e o necessário para nosso universo se estabilizar seria então . Mas a diferença de x e y significou uma massa equivalente a duas entidades daquele lado que passaram para cá para que assim o universo voltasse a ter sua massa de sempre.
Eles estavam preocupados em saber como voltariam para aquele outro mundo, o Buraco negro de Monroe seria usado para trazer massa daquele lado equivalente a massa deles, poderia ser até mesmo areia e eles fariam isso de novo, eu tenho certeza. Ichiro já cogitava criar outro mundo, melhor, outra porta, em outro lugar, uma máquina que seria abastecida e energia solar e por aí vai, ficaram teorizando e teorizando, mas apenas eu estava calado, o mundo deles já não me importava.

Eu fiquei preocupado não com eles, mas em quem eram os dois <nome_desconhecido> e o que fariam do nosso lado... 

2 comentários:

  1. Ficou bem interessante, você escreve muito bem. Já pensou em juntar tudo em um mini livro?

    Abraços,

    Raquel
    www.pipocamusical.com.br

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    1. Já sim, penso em reunir todos os meus contos e lançar um pequeno livro pelo Clube de Autores em um futuro próximo ^^.
      E obrigado pelo comentário, tenho mais contos que preciso trazer aqui para o Blogger.

      Abraços!

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